domingo, 23 de abril de 2017

Reminiscências II


 Os cômodos da casa não falam, mas é como se falassem,
como se contassem,
em prosa,
as histórias vividas e hoje perdidas entre suas fendas e o vazio do ambiente,
da sua cor branca ou suja de lembranças que sinto na intimidade forjada pelo acaso.

 Os diálogos que ecoam pelo corredor, os passos que nunca mais chegarão:
o aroma do café pela manhã,
o beijo no canto da boca.

 Antes, esse era um lugar calmo e bonito, mas hoje é apenas calmo,
de uma calma sem paz,
de uma paz sem alma,
dessas que procuramos quando olhamos para dentro das igrejas,
em imagens de santos tristes e rezas sem prece.

 Hoje esse lugar é calmo, mas não parece.

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Os meus dias de chuva!


 É um dia comprido, frio e sem perspectivas; é domingo e meu passatempo é olhar as folhas das árvores balançarem com o vento gelado que sopra lentamente. Chega a ser bonito de tão triste.
 Particularmente eu gosto muito de dias assim, da paisagem bucólica que o frio do inverno proporciona. Hoje está chovendo; não uma chuva forte, torrencial, mas sim uma chuva tranquila e contínua. São exatamente nesses momentos que meu coração ironicamente se aquece e eu, eufórico, permito que um sorriso tímido forme-se em meus lábios e instale-se em meu rosto. Geralmente eu paro tudo o que estou fazendo para acompanhar a chuva; também não penso em coisa alguma: é só o olhar bonito de uma queda d'água.
 Então eu debruço sobre a janela e entrego-me de todo espírito e coração à pureza e beleza desse momento. De uma forma 'egoísta', gosto de pensar que esses dias são meus. Assim, debruçado na janela, eu contribuo com a chuva e também derramo lágrimas do meu rosto que se misturam a água cinza da chuva. Nesses momentos eu tenho plena convicção de que não há mais nada bonito na natureza do que uma chuva tranquila num domingo frio de inverno. Eu estou sozinho e sinto uma vontade honesta de não ver mais nada depois disso, de não sentir mais nada depois dessa felicidade. Honestamente eu não sei o que será de mim quando a chuva diminuir gradativamente até cessar, tão pouco saberei viver quando o sol estiver alto e imponente no céu, iluminando e aquecendo a todos. Fosse por mim e essa chuva duraria por toda a eternidade; fosse por mim e eu sairia às planícies que avisto da minha janela e percorreria toda sua extensão.
Quem dera eu tivesse um cajado...
 Por uma fracção de segundo eu cogito deixar tudo o que me envolve, abandonar toda mediocridade que acarreta a minha existência e tornar-me parte dela. Não há comodidade que me convença do contrário ou medo que me impeça de seguir em frente.
 Eu então saltei da janela para me tornar eterno e algum tipo de lembrança incômoda. Logo serei esquecido e poderei finalmente ascender aos céus.

sábado, 1 de abril de 2017

32 de Março

Pouco espero de mim por pouco saber quem eu sou.
Hoje é o dia de lamber as feridas, de fazer juras impossíveis e infinitas.
Irei à montanha isolar me do mundo, colher flores e alguns frutos silvestres,
depois cuidarei para que a vida não seja esquecida.
Escreverei lembranças na minha pele.
Buscarei a harmonia em todas espécies.em mim,
na decorrência dos dias que tecem sentimentos que desconheço
e me dominam.

Nada mais foi sofrimento depois disso.