segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Olimpo


Dos extremos infelizes da condição humana
onde os desejos oscilam
e se transformam
em cicatrizes nas almas restabelecidas,
o sábio, olhos escuros, mãos ásperas,
avança sobre os espinhos cristalinos
que a angústia instalou.

Isso deveria ter acontecido a todos nós,
mas nós calçamos sandálias
e nos julgamos maiores e imunes;
nos sentimos, no decorrer dos dias, conhecedores de uma verdade absoluta
e legítima.

Nos banhamos em perfumes
como se fossemos deuses num olimpo
e o cheiro das rosas de plástico,
as preces que chegavam 'de baixo'
e outras propinas
fizeram nossa felicidade mais completa.

Foi o tempo da mentira,
das gargalhadas escandalosas
que se propagavam pelo ar
e ecoavam em nossas almas ensandecidas;
eis que agora somos todos servos da ignorância
e afirmamos que,
para o sofrimento vindouro,
haverá um ou outro pico de remorso
e absurdos lunares.

Nós beberemos nosso próprio veneno
e saudaremos o amor eterno.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Resquícios #84


 É passado
aquilo que não está mais presente?
Não sei,
como não sei tantas coisas
sobre viver
e ser indiferente
aos meus sentimentos.

Sei apenas
que eles me ferem
e causam em minha pele
as marcas profundas do tempo.

É minha história
que escrevo
com a tinta vermelha do meu sangue
e que algumas vezes
borro
com minhas lágrimas incolores.

É a ausência
de estar presente
que me afasta cada vez mais
do meu próprio ser.

Quem eu sou?
Só eu preciso saber.

Eu olho para a frente
e encaro
e
sem me surpreender
vejo a mim mesmo.

Eu não sofro
nem me espanto:
eu avanço!

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Laranja

Das marcas que setembro me deixa,
mantenho algumas debaixo da minha camiseta
ou em versos deixados em papéis amassados
dentro de alguma gaveta.
O que setembro me traz todas as vezes
é o "e se"
que se propaga no infinito das possibilidades,
das coisas que não me saem da cabeça.

Fiquei porque odeio partidas,
mas eu mesmo já parti de mim há muito tempo;
não sei por que fiquei,
mas ainda tenho a poesia,
o céu acima
e alguns lamentos
que pretendo pichar nas paredes da casa
enquanto observo o silêncio
suspenso na luminária da sala,
a luz que eu mesmo irradiei sem jamais me iluminar.

Que ilumine os dias,
mesmo aqueles em que a esperança não nos alcança;

que setembro acabe,
e que meu amarelo se torne laranja.

terça-feira, 11 de setembro de 2018

Sessão

Olhe para mim e escute a minha queixa,
ouça cada palavra
e encaixe-as em nosso quebra-cabeça;
enxergue de fora da caixa
aquilo que hoje me atormenta
e diga as palavras corretas para me manter em equilíbrio.
Dê conta das sombras atrás da minha porta
e do meu desejo venoso de me juntar a elas
num sonho que conto e procuro sentido para que eu possa voltar a mim
mesmo sem aquela necessidade urgente de me reconhecer em gravuras rústicas
ou poemas escritos nas paredes.

Então meu coração se apequena
e minha alma cabe dentro de um frasco
onde se aloja e permite o tempo escorrer lentamente
com lágrimas ácidas.

Gostaria que elas me alagassem, e preenchessem alguma ausência...


Eu sinto isso com frequência.

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Amarelo


Setembro chegou amarelo
para falar da melancolia que reside em silêncio
entre sorrisos cinzas e desesperos noturnos,
em ideações muitas vezes convidativas.

Ela age na surdina
e provoca as sensações dolorosas de um tormento
que nunca termina;
não é pelo sofrimento ou por todo dano que me causa,
mas sim pela certeza que me dá de que não posso fazer nada,
pela certeza de que não há uma saída,
pois passam as horas e os dias,
passam as pessoas que não olham,
elas estão sempre entretidas:
ah, como tudo passa e ninguém fica!

É triste, mas é lindo porque a escolha é minha
e a consequência se dará num sopro de vida.
É lindo e triste como uma despedida,
mas não há ninguém.


terça-feira, 8 de maio de 2018

Um dia daqueles

Olho para todas essas ruas
e me pergunto a qual lugar elas levam
e o que são esses lugares,
como são e quais segredos guardam;
me pergunto o por quê de
tantas pessoas transitarem por essas ruas,
por que falam e também olham
porque quando olham
parece que essas pessoas
me olham nos olhos
e que mergulham
no fundo da minha alma;
depois emergem
levando tudo o que sou:

me resta o nada
e o alívio de me sentir vazio.

Então venta
e essse vento me sopra as ventas,
enche minha paisagem 
de nuvens cinzentas;
procuro assim
pelo silêncio da minha existência,
mas encontro o caos
em alamedas barulhentas.

Sinto meu corpo sucumbir
em uma paz turbulenta
e repito o mantra
de ser esse
mais um dia daqueles!

de que não adianta eu fechar minhas portas
e que dentro de mim
habita o indizível
e de que a segurança de que tudo passou
passa como uma ave
nos céus de outono
de que forçar um sorriso amarelo
é como derramar uma chuva de lágrimas sem gosto
com a cor desbotada do cansaço
e da luta que ninguém entende,
nesse nada em que me desfaço
em mais um dia daqueles.

sábado, 14 de abril de 2018

Resquícios #30

O concreto 
cinza
do asfalto
reflete
o céu
ausente
de estrelas;
converge
com corações
sem sonhos
de vidas inteiras
sem nenhum
significado.
O cinza
se espalha
como fogo
em brasa
e nos faz solitários
em nós mesmos.

domingo, 25 de março de 2018

Resquícios #23

Contorno
minhas cicatrizes
com caneta
preta
enquanto
descanso minha alma
na solidão
serena
que acontece
na minha
existência.
É o que tenho
mas não possuo nada
nem mesmo
a coragem necessária
de voltar a mim
e me deparar
imerso
no vácuo eterno
da indiferença.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Fraco

Seus olhos me encaram,
mas é como se estivessem me atacando
e eu não posso fazer nada,
não consigo fazer nada
para evitar que eu caia de vez...

Eu pensei que eu fosse forte,
mas eu me enganei
e eu não posso fazer nada,
não posso fazer mais nada.