segunda-feira, 27 de março de 2017

1992


 O que é o tempo? Seriam as rugas na pele do meu rosto, alguns fios de cabelo branco?

São as rachaduras nas paredes, os nomes que esqueci, momentos que deixaram de ser meus pois me deixaram.
É a limitação mais severa do meu corpo, a incapacidade de olhar para a vida em perspectiva; hoje só olho em amarga retrospectiva. O distanciamento abstrato do que me constituía.
Eu estou diferente, embora eu seja o mesmo; quando olho para as estrelas,
minha vontade é ser poeira entre elas.
Veja minhas mãos, elas tremem!, mas meus passos sempre foram firmes.

O tempo é uma tristeza, uma impermanência de espírito.

Ainda assim, gosto de pensar que é 1992, seja 1992 apenas um signo para eu rastrear minhas lembranças. Preenchi as lacunas com o que encontrei pelo caminho: poesia, música ambiente, livros...
mas talvez eu não estivesse em nada disso.

O que se apresenta agora é minha angústia em forma absoluta, mas minha angústia sou eu em pleno domínio de mim mesmo.
Antes eu não sofria como hoje sofro, mas me alegro por ter a certeza de que hoje não me escondo em sonhos em preto e branco ou em tardes laranjas; hoje eu posso sentir o tempo no meu sofrimento, nos vãos entre meus dedos,
na dor que petrifica meu coração em silêncio.

Hoje sinto o tempo no meu sofrimento, nas datas presas no calendário do ano da graça de 1992.

Como faz tempo...

sexta-feira, 17 de março de 2017

Apostasia

Oh - campos infinitos dos meus sonhos impossíveis,
verde vivo que me indica a consciência,
sou eu o escolhido?
Eu que acolho a tristeza e transformo as angústias em cores para os versos dos poemas que escrevo sem a pretensão de que sejam lidos;
eu que percorro a existência e atravesso a vida como um cometa,
busco nos céus o conforto para meu sofrimento num total ato de desespero.

Eu não acredito em mais nada, tão pouco em mim mesmo,
pois meu coração está seco e o milagre não se faz sozinho.

Oh - verdes campos, sou tão infinito quanto o tempo,
e não há nada que mude isso, e nem deveria.

Veja, uma estrela,
mas sua luz não ilumina.

quinta-feira, 9 de março de 2017

Fenda


 Às vezes, não sempre, eu me sinto a beira de um colapso, desses que fazem uma cisão e fecham algumas portas.
Eu tenho as chaves, mas nunca as respostas.

 Quando tento encontrá-las, me perco ainda mais e morro afogado nas águas calmas do meu íntimo, eu que vivo numa tormenta.
 Eu tento encontrar a mim mesmo para então me afastar num caminho sem volta.

 Nunca há volta!

 Quando parto de mim é para me esquecer e deixar crescer a ausência que plantei no jardim secreto do meu coração ferido.
 Estou ferido porque eu me feri e, às vezes, me firo, mas não sempre, que é para que essa cicatriz não feche, mas a ferida seja um adendo.